O PROJECTO

Contribuições, insultos, projectos de execução, mas principalmente donativos chorudos para:

blog_oprojecto@hotmail.com (com minúsculas)

quarta-feira, junho 18, 2003

 

Ainda o Manifesto

O De Direita rebate com argumentos interessantes o que aqui foi dito sobre o Direito à Arquitectura. No entanto falha num particular ponto: quando diz que "Apenas 4.1% dos projectos são feitos por arquitectos, mas 100% são aprovados por Arquitectos." Aqui toca na ferida. Todos sabemos como funcionam as câmaras. Todos sabemos o que fazer para aprovar um projecto. Os critérios de avaliação camarária são, aliás, muito frágeis. Limitam-se a observar a concordância com os regulamentos, e mesmo assim quando consideram estar a fazer cumprir uma determinada lei esquecem-se que há dezenas de outras leis que estão a ser infringidas. O ser humano é limitado.
Não quero falar na corrupção. Não quero ir por aí.
Deixo a transcrição (truncada) de um texto do José Pulido Valente, editado no seu livro ACUSO, Crónicas de Urbanismo/ Arquitectura, como ilustração do referido processo de aprovação:

(...) Foi assim: um belo dia fui notificado para ir à Administração Regional de Saúde (ARS) porque a câmara tinha recebido um parecer desfavorável a um dos meus projectos e não podia/ queria passar a licença de construção sem que eu fizesse as alterações(...)
(...) Fui recebido por um jovem Engº sanitário (...)
(...) Identifiquei o processo e o Engº Rebelo da Silva (assim se chama o simpático interlocutor) (...) disparou a seguinte pergunta: "o sr. não é desenhador, pois não?"
Humildemente reconheci que não. "Logo vi. Se fosse não fazia as coisas assim."(...)
(...) Então fui informado de que o meu projecto não podia ser aprovado porque: 1º - a entrada da sala se fazia pela cozinha, e 2º - a cozinha não tinha janela. (...) Fiz notar que as entradas na sala e na cozinha eram feitas a partir de um patamar, ao nível da sala, e que a cozinha ficava bem diferenciada do patamar por três degraus que desciam e, ainda, que tinha um grande lanternim (...) que servia às mil maravilhas para iluminar e ventilar, ao mesmo tempo que, por efeito de chaminé, ajudaria a tirar os cheiros.
Nada feito. O regulamento diz que as janelas são praticadas nas paredes e o lanternim está no telhado, portanto "sopa" no lanternim.(...)
(...) Já eu estava a ver que aquele projecto não ia ser construído quando veio a explicação sobre a minha condição profissional. É que "um desenhador não tinha chamado sala à sala e cozinha à cozinha, tinha chamado a tudo cozinha e assim a cozinha passava a ter a janela que estava destinada à sala" (que deixava de existir ali). Atónito pergunto a medo: "mas, e a sala? posso fazer uma casa sem sala?"
"Não, não pode, mas não tem aí um quarto com doze metros quadrados ou mais?" Tinha. "Então chame-lhe sala".
Sabem o resultado? Fui para a minha oficina; raspei "sala", raspei "cozinha", escrevi cozinha num sítio mais central, raspei "quarto" e escrevi "sala"; tirei cópias, entreguei na câmara e... o projecto foi aprovado como estava desenhado e com legendas diferentes. Esta operação de burocratização do projecto durou para aí dois meses (...) Quando a obra foi vistoriada para ser concedida a licença de habitabilidade, ninguém se lembrou que a cozinha tinha de ter lambris pelo menos até 1,50 metros de altura e a sala que no papel é cozinha não tinha lambril. (...)
(...) Foi tudo aprovado. Sem cumprir com aquilo a que as cozinhas são obrigadas a "obedecer".
Escusado será dizer que, desde que aquela casa começou a ser habitada, a sala foi sempre sala, a cozinha foi sempre cozinha, e só, cozinha (com o lanternim e sem janela) e o quarto tem sido sempre quarto.
O que é que eles estão lá a fazer atrás do balcão?


Como esta há enúmeras outras histórias. O argumento da responsabilidade da aprovação não tem fundamento. Nenhum. O Direito à Arquitectura não é, de modo algum, garantido nesta fase. LAC

Comentários: Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]





<< Página inicial

Arquivos

junho 2003   julho 2003   agosto 2003   setembro 2003   outubro 2003   novembro 2003   dezembro 2003   janeiro 2004   fevereiro 2004   março 2004   abril 2004   maio 2004   junho 2004   julho 2004   agosto 2004   setembro 2004   outubro 2004  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Subscrever Mensagens [Atom]