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Moro em Campo de Ourique. Dentro de dois meses mudo-me. Para uma “boa zona”, mais “digna”, com “edifícios mais bonitos”. Esta casa é um quarto andar sem elevador. Vou mudar-me para um quinto andar mas com elevador. A minha futura casa é maior. Vai ser mais fácil parar o carro à noite (mas mais difícil de dia). A casa é uma reconstrução de um edifício de “interesse ambiental”. Está como nova. Então a que se deve este meu sentimento de perda?
Campo de Ourique é o bairro perfeito. Conheço a mulher do quiosque e a mulher do quisoque conhece-me. Quando saio à uma da manhã para fazer qualquer coisa de improvável encontro alguém que passeia o cão, que volta para casa do restaurante, que estaciona o carro. As pessoas em Campo de Ourique fazem vida de bairro sem serem bairristas. Todas as ruas são minhas. Em nenhum lugar de Campo de Ourique me sinto um estranho. Mesmo com tantos estranhos à volta. No outro dia tocaram à porta. “Boa tarde. Fala de casa da sra. ...? Daqui é a polícia. Por favor pode confirmar se é o dono do carro xx-xx-xx? O carro está destrancado. Será que poderia vir cá alguém a baixo trancá-lo? O meu colega está á espera junto da viatura.” Campo de Ourique não tem partido (embora se suspeite de um ligeiro pendor socialista, dados não confirmados), não tem clube, não tem classe social. A arquitectura é francamente má. Não há um único edifício que se assinale. Bom, talvez um ou dois, não me esqueço do cinema Europa. O que quer isto dizer? Que é possível fazer boa cidade com má arquitectura? Se eu não conhecesse Campo de Ourique diria que não. Tem um jardim com reformados que jogam dominó (daqui a uns anos suspeito que os cámones que hoje vêem tirar postais de alfama virão tirar postais dos jardins com os reformados). Dantes tinha merda nos passeios. Hoje tem menos. Tem a loja do Simão Sabrosa (nunca lá vi ninguém dentro). Mas não por isto que eu tenho este sentimento de perda. É que já por várias vezes dei com a Marisa Cruz a passear na minha rua. Perder isto é que é o drama.
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
03:34