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Eu sei. Mas não há volta a dar. Por muito que tente o contrário todos os sábados de manhã leio o Expresso. E tento encontrar algo de interessante. Hoje, depois de uma busca intensiva e já desconfiado que ia ter o mesmo resultado que o Hans Blix, encontrei no Imobiliário alguma coisa que me merece um comentário (qualquer leitor bem intencionado que ainda estava a ler este post acaba de desistir agora, ao saber que vou escrever sobre o Expresso). Diz o nosso ministro das Obras Públicas, Carmona Rodrigues: "Temos de recuperar o imenso património edificado degradado das nossas cidades". Fala sobre a importância deste sector da indústria da construção. O que deve ter posto os cabelos em pé aos "construtores". Fazer uma obra de recuperação é extraordinariamente mais cara do que construir de raiz. É mais demorada e dá menos lucro. Mais, é necessário o uso de técnicas avançadas e, pasme-se, normalmente é necessário arquitecto. Como se pode ver não é por aqui que o sector da construção gosta de ir. Por isso assinalo com agrado esta mensagem do sr. ministro, ex-homem forte da Câmara de Lisboa.
Isto passa-se na página 8.
Na página 9, imediatamente ao lado, aparece um anúncio de página inteira, a cores, ao novo edifício de escritórios do Palácio Sotto Mayor, na av. Fontes Pereira de Melo. O que é que isto tem a ver? Tudo. O Palácio foi alvo de uma intervenção profunda de reabilitação. O próprio edifício foi recuperado. O que só por si já não era mau. Mas a partir de agora o Palácio vai passar a ter companhia. Um edifício contemporâneo, com preocupações claras de distinção de linguagem arquitectónica, acaba de ser completado. A vida do Palácio Sotto Mayor começa a contar-se no ano 2003. E contudo a marca histórica de 100 anos de existência está lá. É este tipo de intervenção no património (de que falava o ministro) que se deve aplaudir. Há um grande pudor em mexer no que é "antigo". Há inclusivé movimentos que defendem a construção nos dias de hoje segundo os exactos moldes de há 100, 200 anos, conforme o período da história que mais se encaixar no gosto pessoal. A sério. Vale a pena observar estas aberrações. Elas constituem-se como uma negação completa do que é a arquitectura.
Quando se trata de intervenções no património corremos o mesmo risco. Ás vezes pensa-se que o mais correcto, o mais leal, o mais valorizador do ambiente será devolver a construção ao seu estado inicial. Mesmo se isso significar um esforço financeiro que não se justifica. Mas esta atitude vale também para a envolvente. Basta lembrar o processo do CCB e a polémica que gerou apenas por estar "demasiado próximo" dos Jerónimos para se perceber o alcance desta mentalidade. Corre-se o perigo de uma cristalização dos centros históricos, provocando um "imobilismo total" como diz o arq. Souto de Moura, ou uma tranformação das cidades em "parques temáticos" como alerta o prof. Jorge Gaspar.
Defendo, e agora corro o risco de ser um pouco radical, que qualquer intervenção no património de fundo deixe a sua marca. É fundamental que se perceba que o diálogo entre as épocas é o que faz a história. Uma reconstrução profunda que simplesmente represente a imagem que algumas pessoas possam ter do edifício original não deve ser incentivada. Um edifício reconstruido, ou reabilitado, não deve poder confundir-se com um edifício conservado. O diálogo de linguagens arquitectónicas, de materiais e técnicas, de leituras sociais, só enriquece o meio urbano.
Fiquei muito contente quando vi uma notícia que dava conta da não aprovação de um projecto de acresecento de dois pisos num edifício pombalino. Dizia a Câmara que a linguagem arquitectónica dos novos pisos deveria ser distinta da original. Tinha de anunciar o seu tempo. O projecto foi refeito e hoje em dia lá está, o edifício tem dois novos pisos que não deixam dúvidas, mesmo ao transeunte mais distraído, que foram construídos hoje. Isto é autenticidade. De outra forma seria um baralhar da identidade de uma obra arquitectónica.
Sabendo da intenção do governo em apostar na indústria da recuperação do património, fico com a esperança que o país não se lance em operações de "lavar a cara" aos edifícios "velhinhos". Uma coisa é ligar um ser vivo a uma máquina com a esperança que dure mais uns tempos, outra é dar-lhe vida nova.
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
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