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Falo de um aspecto que ainda não foi tocado: o digital. Hoje fala-se muito da digitalização do processo, da análise, do objecto, das vivências. Na arquitectura há de tudo.
No entanto esta digitalização pode ter duas géneses distintas. Se por um lado o próprio tema digital é por si um imaginário autónomo capaz de despertar um campo próprio de reflexões, por outro pode constituir-se apenas como ferramenta. É isso que Frank Gehry faz.
E é aqui que se entende a conversa sobre o escultor. De facto a construção vive apoiada num sistema de concepção e representação bastante tradicional, cartesiano. Ainda hoje. O modo como comunicamos ainda se reflecte em projecções bidimensionais da espacialidade, a planta, o corte e o alçado. É interessante ver como uma reflexão em planta é muito distinta de uma reflexão em corte. Considero isto fundamental para se entender a arquitectura. A geometria, a matemática, o rigor, a ordem.
Alguém imagina sequer o que seria o produto de uma tentativa de construir algo de semelhante às formas de Gehry pelo processo ortodoxo? Pois.
Onde entra então esta relação da escultura com o digital?
Gehry conseguiu atingir um estado de manipulação formal livre, nunca antes experimentado. Gaudí, para dar um exemplo, concebeu apoiado numa geometria rigorosíssima, que só ao mais distraído dá a ideia de liberdade total. Gehry sabe que não há limites. Pela primeira vez o arquitecto manipula a forma como um escultor o faz: a forma pela forma. Badamerda para a tectónica! Porquê? Porque através de um sistema de levantamento digital do volume e da sua racionalização viável essa forma livre é execuível!
Acho que as contradições que a sua obra levanta prendem-se com um desfazamento entre o processo criativo e a tecnologia construtiva. Não é por acaso que Gehry não se conforma com os materiais tradicionais. Provavelmente este tipo de arquitectura só atingirá todo o seu potencial com o advento de um novo sistema construtívo, um novo material, uma nova cultura. Tal como o foi o betão armado e a estrutura pilar-viga no período moderno.
É por isto que o mundo da arquitectura tem algumas dificuldades em aceitar este fenómeno. Ele é tão estranho e custa a entranhar. Não o resultado, mas o processo. É o processo conceptual de Gehry que mais assusta. E a sua transposição para o discurso. Como falar do edifício Gehry? Como explicá-lo? Como justificá-lo?
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
17:49