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Arrepio-me quando oiço alguns gestores e economistas falar sobre a cidade. Frequentemente aparecem nos jornais comentários acerca da «especificidade» de Lisboa, do seu «potencial turístico», das características que teremos obrigatoriamente de rentabilizar. Dizem que Lisboa deve ser única e diferente. Para poder atrair investimento, para poder ombrear com as grandes capitais europeias. Dizem que isso é possível através da publicitação das características inimitáveis da cidade. Ou seja: a história, as colinas, a Baixa, Alfama, o rio. E de repente Lisboa fica reduzida a um postal. A uma imagem falsa e manipulada. A um conceito imaginário.
O problema não é só nosso. Com a globalização teme-se a homogeneização do mundo. E se o mundo for homogéneo facilmente se cria um ranking. A primeira classe e o resto. Claro que neste cenário Lisboa é o resto. Então como sobressair? Como rentabilizar a cidade? Obviamente apelando ao Fado e ao Tejo, porque Paris não tem fado e Londres não tem o Tejo.
Assim cava-se um fosso. Um enorme fosso, onde pela vontade de diferenciação comercial se separa as cidades, catalogando-as, dando-lhes uma label. Ficaremos incapacitados de fazer uma comparação entre Madrid e Lisboa, porque são incomparáveis, na medida que Madrid é Madrid, e Lisboa é Lisboa.
Tal como as empresas as cidades tendem a especializar-se. Atrai mais turistas dizem. E por isso não podemos construir as Torres do Siza! Abaixo as torres do Siza! Fora as torres do siza. Elas, maléficas, irão sem dúvida descaracterizar Alcântara. E os turistas, que vêm de tão longe para ver uma Lisboa típica, como reagirão eles às torres? Certamente, pensarão eles (os gestores), os turistas dirão que para ver torres iam a Chicago, não vinham a Lisboa para ver uma versão pífia de uma torre. Não, em Lisboa ouve-se o Fado e cheira-se o Tejo. E quanto a edifícios elevemos a Baixa a Património Mundial, isso é que é importante!
Senhores gestores: a cidade faz-se evoluindo. Sim, evoluindo, como em evolução. É uma desgraça querer fixar a imagem de Lisboa a um imaginário qualquer, a um postal qualquer. Isso sim retirará Lisboa do circuito mundial do investimento. Sedes de empresas e cultura para Londres, memórias medievais e lojas de recuerdos para Lisboa. A Europa não é um bairro. As cidades não são exclusivas, nem complementares. Lisboa não pode ser aquilo que Paris não é. Não estamos aqui para competir com ninguém. Estamos aqui para tornar a cidade melhor, mais vivida.
Devíamos aprender com Espanha. A recente campanha publicitária devia abrir-vos os olhos. Madrid expõe-se pela sua contemporaneidade. Pela sua dinâmica actual, não pela memória real das feiras tauromáquicas.
Construção em altura não é só para Chelas e para a Expo. O património que os senhores tanto prezam construi-se através de sucessivas evoluções, sucessivas actualizações. A cidade não é nem um museu, nem uma empresa. Por muito que alguns assim o desejariam.
Lisboa está doente. Quer continuar viva. Há quem queira mumificá-la. Ela reage mal e atrofia. Jaime Lerner identificou muito precisamente o problema: falta gente nas ruas, gente que habite, não gente que visite. Basta percorrer a Avenida da República às 10 da noite para perceber que algo corre mal.
Em 1980 Lisboa tinha 800 mil habitantes. Hoje tem 500 mil. É urgente começar a olhar para a frente. É urgente libertar-mo-nos do fantasma do património.
Que se lixem os turistas, dêem-nos uma cidade.
Que se lixe Alfama! Construam as Torres do Siza!
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
14:49