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quarta-feira, dezembro 17, 2003

 

«Os Dois Caminhos»: exploração da fragilidade

Talvez tenha sido o nome pomposo, ou a extensão do post que daria a entender uma ideia mais sedimentada, mas a verdade era que não passava de um desabafo, uma pincelada livre.
Escrever num blogue carrega este perigo, esta exposição. Este carácter abrupto, directo, quase instintivo. Temos de aceitar isto, sem preconceitos. Um blogue é, mais do que tudo, uma pista previligiada para o disparate.

Os comentários ao post «Os Dois Caminhos» levam-me a querer explicar um pouco do que ficou por dizer. Nomeadamente um comentário do Pedro Jordão, que dizia (e bem) concordar com a «fragilidade» do post. Tenho a impressão que esse é o único ponto característico deste blogue, ter ideias frágeis, voláteis, questionáveis, pessoais. Mas o que o Pedro disse leva-me a considerar que me expliquei mal. Dizia que não encontrava similaridades entre a obra dos ARX e o da Contemporânea. Como (achava eu) é óbvio nunca quis deixar a entender que era isso que pensava.

Reformulo e continuo.

Hoje vale tudo. Literalmente. Numa época sem manifestos de fundo, sem ideologias claras, sem modelos fortes, o campo de acção do arquitecto é virtualmente ilimitado.
O «star-system» produziu um efeito claro: o aumento considerável do orçamento disponível para os grandes empreendimentos. O investidor sabe que o nome do arquitecto só por si pode ser garantia de retorno financeiro. Por isso está disposto a esticar a corda para satisfazer todas as exigências da prima-donna. Nunca antes se verificou isto, a não ser talvez com a arquitectura dos regimes centralizados. No entanto aqui tratava-se de propaganda, por isso a liberdade era condicionada a preconceitos do Estado.
Valendo tudo o que nos vale? Como nos balizamos? Como fazer crítica sem nos limitarmos a parâmetros quantificáveis? Como identificar a qualidade arquitectónica? Que atitude ter?

É neste quadro que digo que há dois grupos distintos de posicionamento perante a responsabilidade do desenho. Há os que optam por reduzir ao máximo a expressão arquitectónica, sendo que isso é, talvez paradoxalmente, uma força brutal de expressão. Encaram uma obra como «pano de fundo», criando as condições óptimas para o desenrolar da actividade humana. Se quisermos é uma atitude que atribui a esta mesma actividade humana o protagonismo do espaço. O espaço torna-se num suporte que, no cenário mais procurado, se adapta ao maior número de acontecimentos possível. Não foi por acaso que falei nos Promontório. Ouvi numa conferência Paulo Martins Barata descrever o átrio do edifício da Xerox usando precisamente este argumento: a sua adaptabilidade quase camaleónica. Por isso também usei a expressão «altruísmo». Talvez aqui tenha sido ingénuo. Esta atitude pode ser entendida como uma reacção a este contexto de ano 2000, se século XXI. A arquitectura torna-se provocadora porque não alinha nesta euforia positiva, de tecnologia desenfriada. Quere-se intemporal, como as pedras.

Por outro lado há uma outra reacção que se observa. Se o arquitecto tem a fabulosa oportunidade de comunicar através do edifício, porque não potenciar essa comunicação ao máximo? Está claro que aqui o protagonista é o objecto. A experiência do edifício quere-se forte e impressiva. O observador / utilizador é constantemente estimulado a interagir, a reagir. A arquitectura como obra de arte e sobretudo como obra de arte. A manipulação descomplexada da forma e côr, da materialidade. Aqui acredita-se na integração pela excepção, em oposição a uma integração pela harmonia. Considerando isto, e apenas considerando isto, os ARX apresentam uma atitude peranto o objecto semelhante à Contemporânea: ambos encaram o edifício como forma manipulada intencionalmente, sem se reduzir a ser o resultado de alguma coisa exterior. A opção pela opção, a pura escolha arquitectónica. Talvez seja por isso que o Pedro considere a obra de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira mais discutível, porque se apoia em critérios mais ou menos livres de escolha.

Seja como fôr reafirmo que não pretendo separar a arquitectura em dois. Há, com certeza, muitas obras às quais este binómio não é aplicável, que escapam a esta análise. Nem tenho a pretensão de querer «vender» esta ideia. Trata-se, como disse, de uma impressão (tal como na arte) profundamente pessoal, que me ajuda a ler a arquitectura. LAC
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