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quarta-feira, janeiro 14, 2004

 

Sobre a Arquitectura Popular

Recebemos do Pedro, d'O céu sobre Lisboa, uma preciosa contribuição sobre o tema. Por falta de tempo a discussão continuará dentro de um dia ou dois.

«É preciso ter em conta que o Portugal rural dos anos 50, quando os trabalhos do inquérito foram feitos, é um país que pertence ainda ao século XIX – sem comunicações (estradas, telefones, TV), com comunidades relativamente isoladas que utilizavam apenas os materiais construtivos que tinham à mão - daí talvez que se integrassem tão bem na paisagem.

Essa realidade pode ser esteticamente bela mas ser-nos-ia insuportável hoje em dia – escrevi um post sobre o assunto, podem lê-lo.
O bom gosto muda com o tempo – e ocorre-me, por exemplo, a moda das casas dos emigrantes do Brasil no Porto, que eram gozadas pelas elites da época (passagem do século XIX para o XX) e que hoje não chocam ninguém.

É inevitável que o contacto com outros países e culturas através da emigração se reflicta na arquitectura, de um modo ingénuo que a nós, urbanos, nos pode eventualmente chocar. E as pessoas que constroem ou mandam construir essas casas associam a arquitectura tradicional das terras delas à miséria que os fez fugir de Portugal – nada mais natural que tentem assimilar a arquitectura dos países que lhes proporcionaram uma dignidade que no Portugal salazarista não tinham.

Em todo o caso, parece-me que, nos últimos 10 anos, tem-se dado um fenómeno (que aconteceu antes noutros países, nomeadamente em Espanha) de revalorização das tradições locais, que se reflecte, entre outras coisas, na arquitectura popular. Pode ser impressão minha, mas as famosas "casas de emigrantes" estão em declínio, pelo menos nas zonas rurais, e há agora uma nova moda (também ingénua, claro) que é o revivalismo da casa rural, com o regresso aos materiais tradicionais. Isto pode ver-se um pouco por todo o país, do Minho ao Alentejo, passando pelas Beiras, e é bastante visível até em interiores de bares, cafés e restaurantes.

De um modo simplista e caricatural, há uma antinomia nesta polémica do "eu sou mais português do que tu" entre, por um lado, a linha Raul Lino-português suave e, por outro, a linha Távora-Inquérito. Fazendo um paralelo com uma questão semelhante que ocorreu com a música tradicional, e que me parece esclarecedor, há duas linhas opostas: a linha SNI-Verde Gaio-ranchos folclóricos e a linha Michel Giacometti-Lopes Graça-José Afonso-MPP, a primeira com maior aceitação nos meios populares e na direita e a segunda mais do agrado das elites urbanas e da esquerda. Agora, qual delas é mais portuguesa é impossível de dizer, acho eu.

Só mais duas coisas: primeiro, acho de evitar quaisquer paternalismos em relação à cultura popular, por uma questão de respeito pelos outros. Quem quer ir ao Lux que vá e quem quer dançar num rancho folclórico idem – são ambas atitudes igualmente dignas. Segundo, se os arquitectos se escandalizam com as casas rurais, então que as façam – eu sei que é mais fácil de dizer do que fazer, mas sempre se pode tentar, e ainda deve haver muita gente a querer casas – é mais que um nicho de mercado, é um verdadeiro manancial. E o gosto só se melhora pelo exemplo.»


Por sugestão do m'A tentarei resumir o meu resumo da introdução do referido livro. Muito ficará pelo caminho. Sobre a reedição mencionada ver notícia do DN. LAC

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