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Para quem acompanha a vida de uma cidade atentamente um dos maiores prazeres é a observação das tensões entre passado e futuro. O presente, esse, não existe, como todos sabemos.
Para o público em geral não sobram dúvidas sobre o significado a atribuir a cada tempo cronológico: o passado é glorioso e radiante; o futuro é tenebroso. Acontece que para quem gosta de cidades não é bem assim.
Encontrava-me, a propósito de um acontecimento social à hora de jantar, junto ao rio, escurecido pela noite. Silêncio quase absoluto. As cores reflectiam-se ondulantes na água. A fantástica ponte sobre o Tejo recortava-se no luar. Estava bastante frio. Ora, esta situação podia não passar disto que descrevi, o que já não era mau. Mas uma cidade não pára.
Olhava em frente, para a ponta de Cacilhas, onde Almada vem ter com o Ginjal e com os estaleiros da Lisnave. A margueira. Imaginava o projecto famoso pelo nome “Manhattan de Cacilhas”, alto e belo, cosmopolita. Alguém naquele preciso momento partilharia o rio comigo, mas no alto de um septuagésimo andar, na outra margem. Lisboa seria uma paisagem inigualável. O seu septuagésimo andar seria para mim um aperto no coração.
Rodei a cabeça, clockwise. O ferro da ponte conduziu-me até à zona de Alcântara. Daquela tensão entra a enorme estrutura rubra e a linha de margem nasciam três objectos esguios, como irmãos. Como irmãos eram diferentes, cada um com a sua personalidade. A ponte agradecia a companhia, já que durante muitos anos andou só, afugentando uma cidade rasteira.
Imaginava estes cenários e sentia-me ainda mais pequeno. E via orgulhoso o Tejo sobrepor-se à cidade toda. Esta crescia como um adolescente a querer dar nas vistas. Mas mesmo em bico dos pés não ofuscava a presença mitológica do rio.
Olhei para trás. Um cilindro finíssimo quase me caía em cima. Um ponto marcado, o terceiro elemento deste acto. Mais britânico do que os outros. Falava um british irrepriensível. Era o que estava mais próximo, mas tinha sido o último a fazer sentir a sua presença.
Foi só à terceira que ouvi chamarem-me. Tinha de ir para dentro.
Lisboa sempre foi assim, uma cidade de vistas singulares.
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
18:36