O PROJECTO

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terça-feira, março 02, 2004

 

Qual é a forma de uma casa?

Não é por acaso que o desenho mais produzido na infância retrata uma casa, isolada, com árvores à volta, uma porta, duas janelas, fumo que sai da chaminé. O imaginário é forte, não foi derrotado pela abstracção formal dos volumes puros e das coberturas planas.
Há algo de inquietante neste facto. Será que uma casa tem mesmo de ter um telhado de duas águas? Por outro lado, porque não? Claro que esta preocupação só tem sentido se se considerar a forma como um factor importante. Assistimos hoje a um desinteresse pela forma, que se percebe, que talvez venha a ter consequências no futuro. Percebe-se porquê se o Modernismo falhou, também assim aconteceu com o Pós-Modernismo. O figurativo morreu cedo. O barroco voltou à caixa.
Não consigo deixar de me divertir com a Casa Vanna Venturi. É um exercício irónico e fantástico, angustiante, que se vai revelando, misterioso. Não devemos ter medo do divertido na arquitectura. O habitar não se faz apenas através da violência, mas também por um processo lúdico de fruição espacial, da manipulação da forma, luz, e significados. A Casa Vanna Venturi não se dá a descobrir de mão beijada: «E um olhar atento e explorador começa a compreender que o que parecia uma simples casinha de duas águas é afinal uma habitação complexa e contraditória.» (1)
Só foi possível a Venturi desenhá-la recorrendo à sua sabedoria. Um exercício desta envergadura exige um domínio da história (antiga e recente) do pensamento arquitectónico, para sobre ele ter a capacidade de inventar, desafiar, expôr, rir. Venturi manipula os elementos que todos sabem reconhecer atribuindo-lhes protagonismos inesperados: «Dois elementos verticais, a lareira-chaminé e a escada, competem, por assim dizer, pela posição central. E cada um desses elementos, um essencialmente sólido, o outro essencialmente vazio, transige no tocante a seu formato e posição – isto é, inflecte na direcção do outro para fazer uma unidade da dualidade do núcleo central que eles constituem.» (2)
Sabe lidar com as diversas escalas que uma casa exige, levando a ambiguidade ao pormenor quotidiano: «o pé da escada é um lugar para ficar sentado como para subir e para colocar objectos que tenham de ser levados para cima mais tarde.» (3) O elemento “como” é decisivo. Adiciona, complementa, enriquece.
Tudo isto gera um objecto estranho. É demasiado parecido com a casa do desenho infantil e contudo tão perturbadora. Venturi sente prazer em jogos formais que manipulam elementos padrão. Mas essa manipulação questiona o seu significado, como por exemplo «a pequena “escada para lugar nenhum”» (4), que perdendo função não perde significado. Ficamos numa permanente dúvida, intrigados e com vontade de saber mais, sempre mais.
É um processo de consumo. Bem ao estilo dos sixties pop. Consumimos tudo, ironiza-se sobre esse consumo. A Casa Vanna Venturi dá luta.
Bonita? Feia?
E se for simplesmente bonita e feia? Será possível? Será interessante?
Este tipo de interrogação só é possível porque a Casa Vanna Venturi é um acontecimento único, singular, irrepetível. Como uma obra de arte. Não se trata do fenómeno primeiro estranha-se, depois entranha-se, pois neste caso o entranhar só é possível ao estranhar, um estranhar permanente.
Robert Venturi só podia ser um homem feliz quando desenhou a casa para a sua mãe. Não há ali rancor, desilusão, angústia. Apenas uma enorme paixão pela arquitectura. LAC

(1) João Vieira Caldas, Colagens Eruditas, JA nº203
(2) (3) (4) Robert Venturi, Complexidade e Contradição em Arquitectura

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