Contribuições, insultos, projectos de execução, mas principalmente donativos chorudos para:
Uma das coisas que mais me merecem respeito numa pessoa é a franqueza na fragilidade. A dúvida sempre me pareceu mais honesta do que a certeza. Quando alguém expõe as suas hesitações capta-me a atenção. O oposto também é verdade.
O exercício da arquitectura encerra em si mesmo uma duplicidade assustadora. É certo e sabido que a elaboração de um projecto é um processo altamente frágil, volúvel. As coisas escapam-nos. Assim mesmo. Grande parte do fascínio reside nesse caminhar no fio da navalha. É uma lenta descoberta dum mundo interior oculto. As referências são sempre inconscientes. Sob o risco da obra se transformar num pastiche. O valor de uma obra reside nesse carácter único, que só pode nascer da sensibilidade humana.
Apesar disto, a arquitectura é também a arte do engano. O que não é tem de parecer. Pelos concursos, pelas apresentações, pela projecção pessoal. Não tenho dúvidas: o grande arquitecto é aquele que se pode dar ao luxo de expôr as suas angústias em público. Querem um exemplo? Manuel Salgado, ao Expresso deste Sábado, sobre o actual estado do Parque das Nações: «a situação revela uma incompetência generalizada e até a minha própria incompetência». Digo-vos: anseio pelo momento em que poderei dizer isto.
Os outros, mais novos, mais inexperientes, mais ambiciosos, só falam de conquistas e certezas. Apregoam a perfeição da sua obra mais recente. Para isso é necessário mascarar todas as dúvidas. O que não é difícil. O ensino da arquitectura baseia-se numa permissa dourada: se não acreditares no teu projecto, quem acreditará? Por isso o projectista é o primeiro a ser enganado. O primeiro que anseia ser enganado. E quando a verdade já não for visível, então o projecto está pronto.
Vi uma vez uma maldade: um aluno apresentava o seu trabalho. Continha uma rotação da malha. Essa rotação não era inteiramente “racional”, não se entendia à primeira. Mas também não comprometia. Funcionalmente o projecto não era afectado. Era assim porque o aluno queria. O problema é que esta verdade não pode ser dita. O professor perguntou a razão daquela rotação. Continuava: «Mas a rotação em vez de ser de ‘x’ graus pode ser de ‘y’?» Apanhado de surpresa o criador responde hesitantemente: «Acho que sim». O professor ria condescentemente, e deixava escapar: «Os alunos não mentem...»
Naquele momento tinha sido exposta uma fragilidade. Que devia ter sido mascarada de facto óbvio, de inevitabilidade, de certeza. E não era difícil fazer essa metamorfose do discurso. Mas a verdade é que aquela rotação era intrínseca. Mas há sempre um outro que precisa de acreditar. E o acreditar numa coisa nunca é objectivo. Contém sempre uma dose de ingenuidade. Que está à mercê para ser explorada.
LAC
publicada por Lourenço Cordeiro #
12:46