O PROJECTO

Contribuições, insultos, projectos de execução, mas principalmente donativos chorudos para:

blog_oprojecto@hotmail.com (com minúsculas)

segunda-feira, abril 19, 2004

 

Sinceridade

Uma das coisas que mais me merecem respeito numa pessoa é a franqueza na fragilidade. A dúvida sempre me pareceu mais honesta do que a certeza. Quando alguém expõe as suas hesitações capta-me a atenção. O oposto também é verdade.
O exercício da arquitectura encerra em si mesmo uma duplicidade assustadora. É certo e sabido que a elaboração de um projecto é um processo altamente frágil, volúvel. As coisas escapam-nos. Assim mesmo. Grande parte do fascínio reside nesse caminhar no fio da navalha. É uma lenta descoberta dum mundo interior oculto. As referências são sempre inconscientes. Sob o risco da obra se transformar num pastiche. O valor de uma obra reside nesse carácter único, que só pode nascer da sensibilidade humana.
Apesar disto, a arquitectura é também a arte do engano. O que não é tem de parecer. Pelos concursos, pelas apresentações, pela projecção pessoal. Não tenho dúvidas: o grande arquitecto é aquele que se pode dar ao luxo de expôr as suas angústias em público. Querem um exemplo? Manuel Salgado, ao Expresso deste Sábado, sobre o actual estado do Parque das Nações: «a situação revela uma incompetência generalizada e até a minha própria incompetência». Digo-vos: anseio pelo momento em que poderei dizer isto.
Os outros, mais novos, mais inexperientes, mais ambiciosos, só falam de conquistas e certezas. Apregoam a perfeição da sua obra mais recente. Para isso é necessário mascarar todas as dúvidas. O que não é difícil. O ensino da arquitectura baseia-se numa permissa dourada: se não acreditares no teu projecto, quem acreditará? Por isso o projectista é o primeiro a ser enganado. O primeiro que anseia ser enganado. E quando a verdade já não for visível, então o projecto está pronto.
Vi uma vez uma maldade: um aluno apresentava o seu trabalho. Continha uma rotação da malha. Essa rotação não era inteiramente “racional”, não se entendia à primeira. Mas também não comprometia. Funcionalmente o projecto não era afectado. Era assim porque o aluno queria. O problema é que esta verdade não pode ser dita. O professor perguntou a razão daquela rotação. Continuava: «Mas a rotação em vez de ser de ‘x’ graus pode ser de ‘y’?» Apanhado de surpresa o criador responde hesitantemente: «Acho que sim». O professor ria condescentemente, e deixava escapar: «Os alunos não mentem...»
Naquele momento tinha sido exposta uma fragilidade. Que devia ter sido mascarada de facto óbvio, de inevitabilidade, de certeza. E não era difícil fazer essa metamorfose do discurso. Mas a verdade é que aquela rotação era intrínseca. Mas há sempre um outro que precisa de acreditar. E o acreditar numa coisa nunca é objectivo. Contém sempre uma dose de ingenuidade. Que está à mercê para ser explorada. LAC

Comentários: Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]





<< Página inicial

Arquivos

junho 2003   julho 2003   agosto 2003   setembro 2003   outubro 2003   novembro 2003   dezembro 2003   janeiro 2004   fevereiro 2004   março 2004   abril 2004   maio 2004   junho 2004   julho 2004   agosto 2004   setembro 2004   outubro 2004  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Subscrever Mensagens [Atom]