O PROJECTO

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sexta-feira, maio 28, 2004

 

Lofts: uma importação trendy



Loft: tipologia, conceito importado de uma américa cinematográfica. Glamour. Independência. Dependências. Estatuto social negado, transformado em estatudo cultural. Habitar um loft é para «lofteiros» (acabei de inventar o conceito, parece-me bem). E o que é um «lofteiro» (ou um «lofter», ou «loftísta»)? Bem, parece que está bem definido. O «estudo de mercado» desenhou-lhe todas as curvas. É jovem, independente, bem na vida. Ligado às artes e/ou cultura e/ou media. Solteiro ou casado, sem filhos. Heterossexual ou não, ou os dois. Relativamente rico. E é aqui que a linha começa a ser traçada.

New York, terra-mãe do loft. Mas o loft nova-iorquino não é por definição um lugar de luxo. É o oposto. Um espaço aberto, amplo, semi-industrial, com um pé-direito considerável a convidar ao mezzanine. Quem o deseja? Aqueles que não suportam financeiramente outra opção. Está em bruto. Tijolo à vista, aço e ferro (porque na américa cinamatográfica constrói-se em aço e tijolo). Não é propriamente confortável. É duro. Precisa de disposição por parte de quem o habita. Mas na importação lusa que se fez do fenómeno houve qualquer coisa que se perdeu.

Em Lisboa o preço está bem adornado. Pela novidade? Pela projecção? Por toda uma carga imaginária que atribui ao loft um conceito de vida desejado. O arquitecto Raul de Abreu, responsável pelo projecto, sabe disso: «Estes espaços - a palavra LOFT significa espaço amplo destinado a armazém ou semelhante" - começaram pouco a pouco a ser aproveitados por gente mais ou menos jovem com poucos recursos, ou por ser diferente, ou por necessitar de espaços maiores, que foram adaptando às suas necessidades de habitação ou trabalho, até que viver num "LOFT" se tornou numa espécie de moda (...)»(1) Contudo, e numa manobra absolutamente subversiva, o conceito deturpou-se e os «jovens com poucos recursos» ficam arredados da tipologia. Um fenómeno absolutamente trendy. E o trendy inflacciona tudo onde toca, qual Midas. Logo acorre uma multidão sequiosa de diferença. E assinam no cheque «seiscentos e setenta e cinco mil euros», comprando uma fatia do sonho. Pois, é uma fatia. Porque na antiga fábrica da Osram tudo é às fatias. Lofts alinhados num comprido corredor (que se assemelha a um hospital ou prisão), uma reminiscência da galeria moderna, só que interior e interminável. O que só por si é uma contradição: os lofts precisam dessa independência, não podem estar alinhados qual sardinhas em metal.

O projecto inicial, ou a ideia inicial, previa comércio no piso térreo. «Esta mudança de planos é fundamentada pela seguinte razão: simplificando o programa limita-se as necessidades decorrentes do seu cumprimento e, portanto, os problemas a resolver e as alterações a fazer ao edifício existente, já que se pretende conservá-lo.» (2) Pois, pois. Mas compare-se o valor metro quadrado da loja de jornais, com o do loft trendy. Se fosse eu o promotor nem queria ouvir falar de «comércio» ou «serviços». Quanto mais Diogos Infantes cá enfiarmos melhor. Porque o negócio é sério. E com o dinheiro não se brinca.

Há também neste luso-loft uma ideia de comunidade. Uma ideia romântica que pressupõe relações de vizinhança fortes, entre pessoas que têm algumas afinidades. Como a lavandaria comum. Mas impõe-se a questão: quem paga «seiscentos e setenta e cinco mil euros» por uma casa, estará disposto a fazer uso de uma lavandaria comum? Até o trendy tem limites. Há um modo de estar mediterrâneo que levanta dúvidas sobre estas imposições comunitárias.

E há o caso da senhora cabeleireira famosa! Absolutamente sintomático. Toca de trazer uns perfis de alumínio e umas placas de gesso cartonado, a ver se eu não transformo isto num rico T5! Sem janelas, pois só há uma que ilumina e dá calor à sala. Loft? O quê? Não conheço, faltam aqui quartos e divisórias. Pode falar-se do revestimento da instalação sanitária? Sim, o tal que é debruado a... É melhor não dizer? Está bem, mas era uma boa ilustração.

Ilustração da desadequação entre o fenómeno loft e Portugal. «Primeiro estranha-se, depois entranha-se». Talvez eles consigam entranhar. Mas vai ser a custo. E não será permanente. Fartar-se-ão, como qualquer moda. Easy come, easy go. E a cidade, o que ganha com isso? Além da fachada renovada, de um carácter industrial de bom desenho, parece que nada. Talvez seja a escala. Demasiado ostensiva, impositiva, como que a dizer «aqui há lofts porreiros». O que ajuda à festa trendy. O «lofteiro» precisa que se saiba que ele ali mora. Precisa que isso o identifique. Senão, tudo seria em vão. E ficaria um traço de sabor amargo nas letras «seiscentos e setenta e cinco mil euros».

Depois dos escritórios em «open-space» que já vingaram, estando associados a uma ideia democrática do trabalho, chega a habitação «open-space». Mas o que será uma habitação democrática? Trabalho partilhado é democrático, é colectivo. E a privacidade da casa? Do quarto? Numa opinião puramente pessoal sujeita a todos os insultos e negações, tenho para mim que uma habitação «democrática» se aproxima perigosamente da palavra promiscuidade. Talvez seja por isso que falem em solteiros. Mas, e peço desculpa por me interrogar, o que faz uma pessoa só numa sala de 300 m2? LAC

(1) (2) - Boletim Lisboa Urbanismo, nº 16
Comentários:
Antes de ser loft, eram as instalações da Osram, e é sobre essa utilização do edifíco que procuro informações, bem como o do lado, com a fachada em tijolo à vista. Alguém sabe algo mais sobre o passado destes edifícios?
 
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