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segunda-feira, maio 31, 2004

 

r. e. m.

(Confesso que tenho uma relação de amor-ódio com este texto. Deve ter sido escrito num dia em que acordei mal disposto. Paciência. Só faz sentido num blogue. Que seja. Façam dele o que quiserem. Inclusive ignorá-lo.)

«Apesar de sabermos tudo aquilo que sabemos sobre a emoção humana e os seus mecanismos, isso não impede uma visão romântica dessas mesmas emoções.»

António Damásio, citação livre


Há duas frases de Koolhaas que me inquietam. Não por serem dele mas porque se mascaram de veracidade. Representam uma deslocação dos objectivos da arquitectura, um recentrar das preocupações sobre o ambiente construído. Não me interessa citá-las agora. São duas ideias que atravessam todas as intervenções, construídas ou não, de Koolhaas. A primeira dá conta da demissão emocional da arquitectura; a segunda prende-se com a negação do fenómeno estético, assumindo-se como um paradoxo, pois gera uma outra estetização, tão válida ou presente como qualquer outra.

Diz o holandês que as pessoas podem habitar qualquer coisa, ser felizes em qualquer coisa e miseráveis em qualquer coisa. Não deixa de ser verdade, o que não permite uma extrapolação genérica. Koolhaas não acredita na emoção. É uma criatura hiper-racional. Um animal do século XXI, da informação sem limite, das redes digitais, da globalização. Mas não deixa de ser um arquitecto. Que produz espaços que irão dialogar com pessoas. E as pessoas não são hiper-racionais, regem-se pela emoção como bem nos vai tentando explicar António Damásio.

As criações de Koolhaas aspiram a uma verdade inatacável. Uma pretensão que só os números podem dar. E daí a negação do fenómeno estético da arquitectura, ou o apregoar dessa negação. Koolhaas sabe muito bem que isso é impossível. A Casa da Música é hoje um fenómeno eminentemente estético e emocional. Por isso diz que há uma discrepância entre o que diz e o que faz. Aliás, Koolhaas há muito que se desinteressou da arquitectura. Só a entende à escala urbana e da metrópole. Acredita na grandeza pela grandeza. É hoje um produtor de estudos económicos e sociais. A arquitectura da OMA sobrevive a Koolhaas de um modo totalmente dependente. A OMA não sobrevive sem Koolhaas e Koolhaas não sobrevive sem a OMA (cortesia cscf).

Este desinteresse é motivado pela ambição intelectual de Koolhaas. Ambição essa que não pode ser exprimida apenas através da arquitectura, das paredes, da textura, da luz. Precisa de um mapa mundo, com pontinhos e gráficos. Precisa de grandes slogans que são negados após 5 anos por outro da mesma natureza. Porque há sempre a justificação da permanente mutação da geo-política mundial. Tentou a migração para o West Americano. Delirious New York, nos anos 70, causou um impacto considerável. Por lá ficou, convencido a levar à prática as suas ideias. Tentou vários projectos. Todos falharam. E por isso fugiu para o East asiático. Para a China. As afirmações que faz sobre o modelo social chinês são de deixar qualquer um de boca aberta. Diz que a China desenvolveu o «Comunismo com a forma de um Estado que ainda pode fazer sentido». E critica a falta de fundos para as realizações culturais nos EUA, ao mesmo tempo que elogia o governo Chinês pelos seus investimentos (um problema chamado «democracia»?) Pelo caminho, acusa a SOM (que também anda na China a construir), de promover um «colonialismo cultural». Chavão típico de um antiamericano de catálogo (que Koolhaas não é). E, como diz Martin Pedersen, editor da revista Metropolis, «ele (Koolhaas) corre atrás dos dólares como outro arquitecto qualquer». Hoje esses dólares estão na China. Lá vai Rem para a China, com citações de Mao debaixo do braço.

Koolhaas transformou-se num pensador, num activista. É um portento. Um permanente desafio à escala global. Será no futuro considerado o maior arquitecto do seu tempo. Mas isso pouco terá a ver com a sua obra construída.

Ou talvez não. O problema está no modo de avalização da arquitectura de Koolhaas. Tal como as suas publicações, esta não pode ser avaliada sem um mapa mundo com pontinhos. Cada edifício da OMA insere-se num conjunto, numa rede. Revelam cada um uma pequena parte das preocupações do seu mentor. Mas isolados perdem. O que a arquitectura sempre foi capaz (e continuará a ser) é desprezado: a emoção. A simples fruição espacial, o esquiço ocasional de uma luz furtiva, uma fotografia que envelhece. Nada disto Koolhaas nos desperta. A arquitectura anula-se esmagada pela ambição global do arquitecto.

A Casa da Música assume-se como uma obra chave neste panorama. Porque Koolhaas apaixonou-se por aquela forma, aquele objecto. Uma moradia ou um centro de espectáculos, tanto faz, aquela forma fascinou-o. As paredes brancas que já recebem o sol do norte (de sul), que já projectam a sua sombra, provocam em nós uma reacção que Koolhaas apregoa ser inexistente. Eu quero lá saber da Generic City ou do S, M, L, XL: aquele edifício é bonito. É uma experiência estéctica forte, uma revelação com massa, com espessura, com defeitos. Conheça eu ou não o nome de Rem Koolhaas, a Casa da Música será sempre uma peça notável, uma arquitectura que influenciará decisivamente a minha ida ao espectáculo. Por muito que Koolhaas negue isso de uma forma provocatória. Por muito que diga a arquitectura é apenas a concretização de uma ideia puramente racional. Por muitas ideologias. Por muitos mapas mundos com pontinhos.

Mas voltemos à ambição intelectual de Koolhaas. Será que se emociona ao ouvir um elogio ingénuo de uma obra sua? Será que, abordado na rua por uma velhota que lhe diz gostar muito da Casa da Música, isso faz alguma diferença? Valoriza Koolhaas esta palavra, gostar? Não sabemos. Construiu-se à volta do seu trabalho uma protecção emocional. Quase intocável como gosta Koolhaas. A sua ambição, o seu desejo, o que o move, é ter razão. É impor, dispor, provar. É colocar-se numa posição exterior à sua condição. Isso passa, inevitavelmente, pela sua expurgação da arquitectura.

Ou a sua transformação. Embora a história prove que a arquitectura tem um papel social bastante diminuto (já explico), Koolhaas completa o círculo para a ela voltar, querendo através da arquitectura deixar uma marca física das suas pesquisas.Por isso a sua obsessão com o bigness. Quanto maior for a obra, maior é a transformação social. E com isto quer alterar o mundo. Se o conseguir será o primeiro arquitecto a fazê-lo. Corbusier, que foi indubitavelmente quem mais impacte teve na arquitectura moderna, mudou a arquitectura mas não mundou o mundo. Koolhaas já mudou a arquitectura mas não quer parar por aí.

Porque tem a arquitectura um papel social diminuto? Porque a arquitectura pela arquitectura não tem impacto (social) significativo. As considerações sociais são um imperativo arquitectónico, mas só ganham força se forem uma parte num todo transformador. A arquitectura é reacção, é expressão, é sinal. Não é doutrina.

O texto que agora termina pode parecer uma reacção negativa à influência de Koolhaas. Talvez seja, mas é motivado por uma inquetação sobre aquilo que nos move a fazer arquitectura. Porque Koolhaas baralhou as regras do jogo. Porque o mundo o obrigou a baralhar as regras do jogo. Não sei se a arte tem de ser tão conformada. Agora que tudo é parametrizável, terá a arte de se submeter a essa avalização? Que ambição é essa?

Siza diz sobre Souto Moura que as suas obras nos recebem bem, que tem a certeza que as suas obras nos receberão bem. Afinal, não é este o desígnio da arquitectura? LAC

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