O PROJECTO

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quinta-feira, junho 03, 2004

 

Abaixo os guias turísticos

Não tenho nenhum trauma, nem mesmo nenhuma razão de queixa. É talvez uma saudade do que nunca vivi. Como foi conhecer cidades? Conhecer verdadeiramente, afogados no desconhecido? Só uma certeza possuo: isso desapareceu. Com a banalização do guia turístico, qual manual de instruções para uma cidade, completíssimo, não deixando que nada escape. Tenho uma aversão a estas coisas. «O guia que lhe mostra o que os outros só contam», avisa um exemplar que para aqui tenho, este sobre Nova Iorque. Mas mostra o quê? Abro. Vejo o índice. O primeiro item é perfeito: «como usar este guia». Não vamos nós perder o norte dentro do guia, que paradoxo insuportável. Depois vem umas xaropadas sobre a «história» da cidade, e uns capítulos «zona por zona». Ah, o mistério da urbe desvenda-se. Eis que chegamos ao centro do ódio: «indicações ao turista». Aqui, o manualista entra em loucura total. Como se não bastasse a tentativa de menosprezar a complexidade da cidade reduzindo-a a esquemas de «fácil» compreensão, qual bom samaritano diz-nos como nos devemos comportar. E onde. E quando. E com quem. Avisa-nos dos «costumes» locais, prevenindo assim o leitor para eventuais descobertas ocasionais. Não, um bom turista é o turista avisado. Nestes guias, é normal lermos: «divirta-se visitando o jardim oriental da cidade, disfrutanto o belo pôr-do-sol às 20.43, debaixo dos plátanos típicos, com uma bela vista sobre a Igreja de S. Cipriano, um belo exemplo da arquitectura da época, enquanto o melro canta por cima do seu ombro esquerdo, com a sua família nas férias merecidas.» E, quando nos estivermos a «divertir visitando o jardim oriental da cidade, disfrutanto o belo pôr-do-sol às 20.43, debaixo dos plátanos típicos, com uma bela vista sobre a Igreja de S. Cipriano, um belo exemplo da arquitectura da época, enquanto o melro canta por cima do seu ombro esquerdo, com a nossa família nas férias merecidas», lembrar-nos-emos do guia, que nos permitiu «divertir visitando o jardim oriental da cidade, disfrutanto o belo pôr-do-sol às 20.43, debaixo dos plátanos típicos, com uma bela vista sobre a Igreja de S. Cipriano, um belo exemplo da arquitectura da época, enquanto o melro canta por cima do seu ombro esquerdo, com a nossa família nas férias merecidas». Onde ficar. Onde comer. O que comer. Quanto pagar. Quando sorrir. Para onde olhar. Por onde andar. Que «monumentos» visitar. Nada é deixado ao acaso. Só a cidade. Essa não interessa. A verdadeira cidade está no guia, é a cidade do guia. Se, por descuido, embarcarmos nalguma actividade não receitada, então o tempo estará a ser obscenamente desperdiçado. «Passeio de 90 minutos por Greenwich Village e SoHo», mostra-me uma página aberta ao acaso. Que reconfortante é saber que em 90 minutos podemos apreender toda a magia do Greenwich Village e do SoHo. Se não fosse o guia arriscar-me-ia a perder, não sei, e arrisco, uns 95 minutos.
Conselho de amigo: não transforme a cidade num consumível. Dê espaço para a surpresa. Não há nada pior do que uma cidade que não surpreende. Uma cidade sem surpresas é como uma mulher nua. Está lá tudo, mas precisávamos de ver tudo? LAC
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