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O «Actual» desta semana dá destaque a dois arquitectos: João Luís Carrilho da Graça, a propósito da atribuição do prémio Luzboa-Schréder, e Nuno Teotónio Pereira, a propósito da inaguração na próxima sexta-feira de uma exposição sobre a sua obra, no CCB. São dois nomes incontornáveis, pertencentes a gerações diferentes. Teotónio é o grande nome do modernismo português de Lisboa, um dos homens que introduziu no país Corbusier e a sua Carta de Atenas. Carrilho é filho dos períodos conturbados de 1974, época em que sai da ESBAL. Devo dizer que admiro muito a obra dos dois. Mas por razões diferentes. E isso é que importa.
Teotónio Pereira é um puro. Um homem de causas e ideais, que viveu num tempo que permitia essas causas e ideais. Isso reflecte-se na sua obra. O seu atelier, o famoso atelier da Rua da Alegria, sempre foi uma coisa colectiva, sabendo ir beber da experiência e contribuição de todos os que por lá passaram (em especial Bartolomeu Costa Cabral, Nuno Portas e, mais recentemente, Pedro Botelho). É um percurso marcado pelas intervenções sociais e religiosas. Betão à vista, madeira, 45º, baixos relevos, intervenções artísticas de convidados, um grande sentido comunitário. A sua obra não é "bonita", no sentido de uma estética de imagem. Nunca se rendeu ao facilitismo da retórica, do reconhecimento público, do nome. É um resistente, um lutador calmo e sereno. Basta entrar na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, para imediatamente se perceber como encarou Teotónio a arquitectura.
Carrilho da Graça representa o arquétipo que muitos têm de um
arquitecto. Eu não gosto dele. Da pessoa. Mas reconheço que não o conheço. Ainda assim, Carrilho da Graça é um meticuloso gestor da sua imagem. E não falo só do que veste e calça (que chama sempre a atenção). Falo do que diz, como diz, quando diz. É arrogante, distante, frio. É uma estrela. Ao contrário de Teotónio Pereira, o seu percurso é fortemente individual (no que respeita ao modo de trabalhar). É também um virtuoso do espaço. Se pode haver poesia na matéria construída, ela está presente na obra de Carrilho da Graça. A interpretação que faz dos sítios, do programa, da linguagem moderna, resulta quase sempre em lugares de silêncio e contemplação, mas interpelativos e actuantes, não demissionários. Ao contrário de Teotónio Pereira, as suas obras brilham nas páginas de revista. Pedem para ser fotografadas e mostram claramente como devem ser fotografadas. A obra de Carrilho assume sem rodeios essa atitude.
Estes dois homens podem simbolizar apenas duas gerações diferentes, e simbolizam-no claramente. Mas há mais. Personificam duas grandes áreas de actuação da arquitectura: o campo social e humano; e o campo artístico e conceptual. Não digo que são exclusivos, mas normalmente é isso que acontece. Interessante é perceber que isso se reflecte (ou nasce) na postura pessoal do arquitecto, na sua imagem, no seu tratamento na imprensa.
Irei ver com prazer a exposição de Nuno Teotónio Pereira. Ver e aprender, porque homens destes começam a escassear (lembro a morte recente de Vítor Figueiredo, por exemplo). Daqui a uns anos veremos onde chegou esta outra geração, a de Carrilho da Graça. Mas duvido que ocupem tantas páginas na história da arquitectura em Portugal. Duvido.
publicada por Lourenço Cordeiro #
17:48