O PROJECTO

Contribuições, insultos, projectos de execução, mas principalmente donativos chorudos para:

blog_oprojecto@hotmail.com (com minúsculas)

segunda-feira, agosto 23, 2004

 

Autoestrada

«[...] Viajo pela autoestrada; penso que as pontes que cruzo e que fazem baixar a cabeça ao meu filho, alinhamento de fantasia de longos percursos de verão, são iguais por pequenos grupos, subtilmente diferentes duas a duas, diferentes depois quando se salta de grupo. São os diferentes engenheiros envolvidos. Um escolheu os pilares inclinados, divididos em três formas longilíneas, três vigas fortes a comandar o desenvolvimento da ponte; a outro, o desenho foi de pilares redondos, verticais que seguram o repouso do tabuleiro do viaduto, a passagem de uma bicicleta ou de um tractor deseja a autoestrada em baixo, o ruído cíclico que se desenfia a partir daquele momento da ponte que esconde as origens e os fins do movimento.
Quem anda, a ruralidade lenta que atravessa a ponte por cima, ou os carros que a subpassam ligando os mercados?
Quando o sol já tinha desaparecido por cima da autoestrada vi um
Sandman
negro de capa púrpura a vigiar as duas pistas; o seu alçado é laminar, apenas um perfil recortado que nós sabemos não ser do mesmo manto que corre a estrada. De que material será o homem de capa negra? Quanto afundam, então, as suas fundações?
Parámos, num domingo à noite, num desses bares de autoestrada onde os olhares são livres porque são olhares de pessoas que vão em viagem. São os mesmos olhares dos aeroportos internacionais: ligeiramente turvos, muito disponíveis, sabendo o risco perfeito de uma ligação sem perigo pois pertencem sempre a destinos diferentes, velocidades diferentes.
Parámos num desses bares; algumas famílias: gente da Mealhada, em programa de ar fresco e picadeiro mundano ou apenas habitantes de carros que se entregariam à estrada quinze minutos depois? A que horas chegariam? Onde?
A certa altura viaja-se a uma velocidade muito grande, está tudo tenso, o condutor comanda o volante, dirige, ultrapassa com rigor, fixa-se na noite, naquela particular cassete; passados momentos, noutra consciência, o carro está parado à porta, numa calma rua de um bairro lisboeta; transbordam-se as malas silenciosamente, os corpos saídos da viagem não sabem ainda o que lhes aconteceu.
[...]»


Manuel Graça Dias, , «Autoestradas», O Independente, Lisboa, nº 60, 7 de Julho, 1989

Comentários: Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]





<< Página inicial

Arquivos

junho 2003   julho 2003   agosto 2003   setembro 2003   outubro 2003   novembro 2003   dezembro 2003   janeiro 2004   fevereiro 2004   março 2004   abril 2004   maio 2004   junho 2004   julho 2004   agosto 2004   setembro 2004   outubro 2004  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Subscrever Mensagens [Atom]