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O plano de Cerdà é «chato», ouve dizer-se. O turista, à caça do pitoresco, do beco, da praça, não gosta do engenheiro. Este, em 1860, traçou um plano hiper-racionalista, antevendo o período moderno, onde a expansão se fazia com base na homogeneidade. Homogeneidade essa que se torna extremamente flexível, capaz de suportar as excepções, as variantes. Mas é um plano de cidade real, não de cidade exposição, ou de cidade feira. Isso viria depois.
Viria no fim do século, com a primeira Exposição Universal, que seguia as pisadas de Londres e Paris (já aqui se percebia a vontade de Barcelona ser algo mais do que a segunda cidade espanhola). Confirmando a teoria da história cíclica, depois do urbanismo de Cerdà chegava a festa da monumentalidade ornamentada e barroca. É desta época que data, como prova, o Arco do Triunfo de Barcelona. Paris fazia muita inveja, era a capital do mundo.
É na segunda grande exposição, em 1929, que Mies se faz anunciar. A urbanização de Montjuic deixa dúvidas sobre a sua data, tais são as referências ecléticas de um passado já o suficientemente distante para dever ser olhado com outros olhos. Sucedem-se arcadas, escadarias, colunas, cúpulas e frontões, em grandes eixos e praças elipsoidais. Isto, lembre-se, no final da década de 20, com os CIAM mesmo à porta. Neste contexto de opulência historicista, o pavilhão de Mies van der Rohe assume-se como uma peça estranha e visionária. A sua reconstrução nos anos 80 no local original foi absolutamente essencial. Hoje, quase 100 anos depois, percebemos o verdadeiro alcance da arquitectura moderna ao sentirmo-nos mais em casa na abstracção de Mies do que nas formas reconhecíveis de um classicismo já demasiadas vezes reinventado. A consciência de que as obras são contemporâneas põe em evidência a história do modernismo como reacção, como algo de absolutamente necessário face à falência de todo o tipo de ecletismos, de revivalismos, de naturalismos, de quaisquer ismos que imperassem na viragem de século. Mies vence. Vence hoje através da mão de Ignasi de Solà-Morales, Cristian Cirici e Fernando Ramos que, ao reconstruirem o pavilhão no seu contexto tornaram viva a história.
O século XX passou bem por Barcelona. Está lá tudo, desde as preocupações com as vias circulares, a reacção à guerra, as preocupações com as periferias nos anos 50-60, a ideia de área metropolitana que se seguiu. E mais eventos excepcionais: os Jogos Olímpicos, em 92, e o Fórum, este ano, que não passam como todos sabemos de pretextos para intervenções urbanas significativas, pois é o único modo de conseguir financiamento para gestos dessa dimensão.
Barcelona é uma grande cidade. Porque respira urbanismo, respira planeamento e respira arquitectura. Gaudí? Deixem-se disso, não passou de um excêntrico genial, de um artista único, e por isso incapaz de deixar escola. Barcelona é muito maior do que isso.
publicada por Lourenço Cordeiro #
12:43