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Desde pequeno que gosto do Inverno. Mais do Inverno do que do Verão. Não fui uma criança diferente das outras, gostava de praia, muito de mar, de calor, das férias. Mas ainda assim, sempre que perguntado, respondia «Inverno». Até quando comecei a descobrir que as temperaturas mais altas faziam descer a área do corpo feminino coberta, o Inverno nunca deixou de ser a minha estação preferida. Não engano ninguém: eu gosto mesmo de chuva e frio. Há quem diga que goste do Outono, para ver as folhas cair, ou da Primavera, para ver a flores desabrochar. Há até quem se refira ao Inverno com gosto, mas para falar dos dias de Sol e céu limpo. Eu sou mais bruto. Gosto do Inverno por aquilo que tem de melhor: chuva, terra molhada, frio, casas quentes. Bachelard, no seu Poética do Espaço, refere que o Inverno acentua a sensação de protecção que a casa oferece (não vou procurar a citação, não tenho paciência). É isso mesmo. Quando chove lá fora, cá dentro vive-se melhor.
Não há imagem mais bela do que uma cidade minutos após a chuva. Do cheiro ao brilho da pedra húmida tudo se apura com a água. As coisas lavam-se. Talvez haja aqui um significado moral para a chuva, não sei, um ritual massivo de purificação pública. (Agora que penso nisso não sei porque é as religiões sempre adoraram o sol e não a chuva.) O frio ajuda-nos a concentrar, a estar mais calmos. Que não haja dúvidas sobre isto: todas as diferenças culturais entre a Suécia e o Brasil são devidas aos registos do barómetros. (Talvez seja por isso que o Brasil não me atrai. À Suécia nunca fui.) Uma cidade deve ser conhecida no Inverno. Nunca percebi esta mania de se fazer férias urbanas no Verão. Barcelona em Agosto é de se fugir. Veneza com chuva será inesquecível (premonição).
No Inverno estamos com os amigos; no Verão com conhecidos. O calor desperta a predisposição para a amizade fácil, coisa que repudio. O frio aguça o espírito. Apesar de ser bastante discreto nesse aspecto, a moda de Inverno sempre me pareceu mais interessante do que a sua congénere Primavera-Verão. Os casacos, cachecóis, luvas, sapatos, etc, dignificam bastante mais o ser humano. É notório que os calções e chinelos sõ são usados porque o calor afecta gravemente a actividade cerebral. Não, não me esqueço do pormenor feminino nesta história. Acontece que a sugestão sempre foi mais interessante do que a coisa explícita. Uma mulher que não consiga encantar no Inverno é uma mulher que não interessa.
Escrevo isto no Outono. Ainda faltam dois meses para o Inverno. Mas hoje acordei e a pedra da varanda ostentava o brilho da água salgada. Abri a janela e o frio fez-se convidado. Na casa de banho o pés descalços acusaram a temperatura. É o Inverno a anunciar-se. Está a chegar.
publicada por Lourenço Cordeiro #
12:43