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terça-feira, janeiro 20, 2004

 

Que ilações tirar hoje?

Sobre a discussão do assunto da Arquitectura Popular em Portugal, levantou-se a questão das consequências que os resultados do inquérito, a republicar, terá nos dias de hoje. De que obviamente serão diferentes dos de então, estamos todos de acordo. Que é necessário manter uma identificação cultural dos povos através da sua arquitectura, também me parece que é consensual. Então como se conciliam estes dois mundos hoje, o Popular e o erudito?

As referências no mundo da arquitectura de hoje sofreram uma pesada transformação com a globalização. Na Europa esse fenómeno associa-se a uma crescente integração dos estados membros, com a abolição das fronteiras, as leis comuns, as políticas convergentes, etc. A multiculturalidade é um valor politicamente correcto, que ninguém se atreve a questionar, que paradoxalmente tem expressões opostas.
Tradicionalmente a esquerda sempre foi, no campo cultural, mais progressista (ou pelo menos assim reivindica), atitude que tem passado invariavelmente pela negação do tradicional. O Movimento Moderno, que aboliu por completo as referências históricas, foi impulsionado por ideiais socialistas, utópicos e subversivos. Hoje a esquerda sonha com um mundo sem fronteiras, onde a imigração não é regulamentada, num regime de portas abertas. E aqui é que acontece o maior paradoxo. Apesar disto, a mesma esquerda que vive numa idealização da mistura de culturas torna-se a maior crítica ao fenómeno da globalização, porque esbate a identificação cultural (a mesma tradição que gosta de negar em favor de uma atitude progressista) tornando tudo mais americano. Nasce o intrincado conceito de alterglobalização.

Hence for instance the plastic, plasticine world of Rem Koolhaas. And the endless gesturing of Peter Eisenman, or Daniel Libeskind, who in their different (and sometimes similar) ways, are paradoxically trying to show that they have not been seduced by commerce by always trying to shove themselves into the limelight.

Esta contradição tem dominado as conciências arquitectónicas contemporâneas, já que o pensamento arquitectónico não se libertou ainda desse domínio da esquerda. Ao mesmo tempo, e para ajudar a esta festa, a vanguarda dominante holandesa nasce de um clima tabula rasa gerado em Roterdão desde o pós-guerra, gerado nos escombros de uma cidade dilacerada. Quere-se que a expressão arquitectónica se liberte da tradição, que descubra novos caminhos, que reflicta uma nova mentalidade social que se instalou. O problema é que nada nasce sem referências. E se as referências culturais de um povo (para evitar chamar-lhe nacionais) não servem, então outras são necessárias. Desta necessidade incorre o risco do esbatimento cultural, numa corrente de pensamento que se auto-referencia.
Outro factor subversivo entra em cena. A questão da vanguarda cultural é também um assunto intocável, do domínio do politicamente correcto. O problema está, como todos sabemos, na situação que advém do domínio de uma elite cultural instalada que decide o que é válido e o que não é. O novo separa-se entre o bom e o disparate. Quem decide?
Neste cenário a reinterpretação da arquitectura popular é da maior importância. Porque lança pistas que podem alicerçar a nossa vanguarda, que tem condições para se diferenciar da cultura tecnológica anglo-saxónica, da cultura tabula-rasa holandesa, da cultura pop pós-modernista de Venturi, ou seja de que cultura fôr.
Este é aliás um dos factores decisivos para a influência que quer Siza Vieira quer Souto Moura têm vindo a obter, de formas diferentes. Muito interessante é, por exemplo, comparar o discurso deste último, herdeiro de Mies e da abstração minimal, com a sua obra, que inexplicavelmente (ou não) se apresenta com uma carga portuguesa muito forte.
Uma das obras que melhor resumiram, na minha opinião, esta interpretação das referências populares da arquitectura (desta vez) portuguesa é o Pavilhão de Portugal em Hanover (2000), da autoria dos dois arquitectos. Veja-se o que dele diz Peter Davey, director da Architectural Review:

« The Portuguese pavilion is, perhaps, an argument for expos. Here is a small and rather poor country making an exquisite, imaginative, economical thing, and showing up the stupidity of the blundering bureaucratic taste of big rich nations like the Germans and French (not to speak of the appalling market mediocrity of the British). It simultaneously demonstrates deep traditional appreciation of materials, light and space, and a lively understanding of the potentials of modern technology, without swanking about them. In its modest and gentle way, it is a triumph. »

Pois. LAC

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